Em agradecimento aos leitores que, neste mês, me deram a honra de atingir mais de 100 mil acessos no meu blog, reproduzo a seguir o capítulo 4 do meu livro: ELABORAÇÃO DE TRABALHOS ACADÊMICOS: NORMAS, DICAS E ERROS COMUNS, que pode ser encontrado no site estantevirtual.com.br
É uma obra que utilizo nas disciplinas de Técnicas de Pesquisa nos cursos de pós-graduação onde ministro aulas, editada pelo autor.
O capítulo retrata situações comuns de plágios encontrados em trabalhos acadêmicos. Considero uma leitura importante para alunos, orientadores, professores, pesquisadores e bibliotecários.
RESSALTO O QUE PENSO SOBRE O PLÁGIO: mais que uma traição ao autor que foi copiado, se constitui uma traição à confiança do leitor.
Retomo o tema do plágio, abordado no início do capítulo 2
quando apresentei o argumento que a paráfrase de grau zero é considerada
plágio, concordando com Medeiros (2009).
Meu posicionamento em relação e essa questão é que, se a
paráfrase de grau zero não fosse considerada pastiche (ou pasticho) pelo
simples fato de que o autor foi citado, um indivíduo de qualquer área poderia
escrever trabalhos sobre outras áreas sem muita leitura do tema.
A facilidade de copiar textos online através de comandos “Ctrl+C” e “Ctrl+V”, acompanhada da
facilidade de substituir palavras nos editores de texto, podem ser mecanismos
tentadores para a escrita de paráfrases de grau zero.
O que torna difícil a escrita de um texto acadêmico é talvez
o fato que, mesmo conhecendo um tema com certa profundidade, ao escrevermos
sobre ele temos sempre a impressão que é preciso mais leitura, pois não é fácil
parafrasear os autores lidos.
Neste capítulo pretendo mostrar um pouco da nossa
experiência na identificação de plágios em textos acadêmicos para propor
algumas dicas de como identifica-los ou evita-los.
Apresentarei algumas situações em que o redator de trabalho
acadêmico comete plágio. Opto por evidenciar aquelas na quais a minha
experiência em correção de textos acadêmicos mostra que são mais rotineiras.
As situações apresentadas, numeradas sequencialmente, foram
realmente vivenciadas em minha prática de correção de trabalhos acadêmicos.
Entretanto, os exemplos mostrados em cada situação são hipotéticos, para não
correr o risco de que a situação vivenciada seja encontrada pelo leitor em
algum trabalho acadêmico publicado.
Utilizarei como originais principalmente os artigos da Navus
– Revista de Gestão e Tecnologia, revista da qual sou editor científico, com os
devidos créditos aos autores, para demonstrar como o texto do redator poderia
fazer plágio dos originais.
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Situação 1
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O redator cita literalmente parte de um
texto, mas copia o restante sem evidenciar que continua sendo uma cópia
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Texto no original
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Assim como as empresas privadas, as organizações públicas
também precisam superar a visão de gestão unicamente funcional no sentido de quebrar
as fronteiras organizacionais internas e, sempre que possível, eliminar
tarefas desnecessárias, gargalos, retrabalho e duplicidade de atividades que
não agregam valor ao cidadão.
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FALCÃO JÚNIOR, Marcos Antônio Gomes; SANTOS, Raimundo
Nonato Macedo dos. A gestão de processos na análise das atividades de
seleções públicas simplificadas: estudo de caso em uma prefeitura. Navus, Florianópolis, v. 6, n. 2, p.
6-19, abr./jun. 2016.
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Texto do redator
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A gestão não pode ser unicamente funcional, mas estratégica,
para que as empresas públicas ou privadas tenham sucesso.
Assim como as empresas privadas, as
organizações públicas também precisam superar a visão
de gestão unicamente funcional no sentido de quebrar as fronteiras
organizacionais internas (FALCÃO JÚNIOR; SANTOS, 2016, p. 7).
Sempre que
possível, eliminar tarefas desnecessárias, gargalos, retrabalho e duplicidade
de atividades que não agregam valor ao cidadão.
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Veja o que o redator fez. Ele copiou um trecho do original, indicando
corretamente a autoria e com a formatação da citação longa. Até aí tudo certo.
Entretanto, ele continua copiando o texto do original como se fosse dele. O
leitor está sendo enganando no último parágrafo porque pensa ler um texto do
redator quando lê a continuação do original que foi citado.
Na situação 2, muito
comum em trabalhos acadêmicos, temos a evidência exata do que Medeiros (2009)
chama de paráfrase de grau zero.
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Situação 2
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O redator cita o original, mas apenas troca
alguns vocábulos na paráfrase
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Texto no original
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Entretanto, saber quais as funções que cada pessoa
desempenha no interior da estrutura não tem muito sentido sem compreender
como essas funções se relacionam umas com as outras. Portanto, para possibilitar
uma real avaliação do desempenho das organizações, muitos teóricos
organizacionais compreenderam que é preciso saber como as partes estão
ligadas, atingindo seus processos.
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FALCÃO JÚNIOR, Marcos Antônio Gomes; SANTOS, Raimundo
Nonato Macedo dos. A gestão de processos na análise das atividades de
seleções públicas simplificadas: estudo de caso em uma prefeitura. Navus, Florianópolis, v. 6, n. 2, p.
6-19, abr./jun. 2016.
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Texto do redator
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Segundo Falcão Júnior e Santos (2016), saber quais os papeis
que cada pessoa exerce dentro da estrutura não tem muito sentido sem
compreender como esses papeis se relacionam uns com os outros. Portanto, para
viabilizar uma real avaliação do desempenho das empresas, muitos teóricos
organizacionais compreenderam que é necessário saber como as partes estão
ligadas, atingindo seus processos.
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Essa situação 2 reforça uma visão que temos em relação à
paráfrase de grau zero. Ela se constitui em um plágio porque, mais que uma
traição ao autor que foi copiado, se constitui uma traição à confiança do
leitor. Quem lê esse texto do redator, da forma como está, se não tiver acesso
à fonte citada, terá a impressão que o redator conseguiu fazer uma
interpretação do original quando, na verdade, ele apenas utilizou um dicionário
de sinônimos para mascarar o “Ctrl+C” e “Ctrl+V”, ou seja, o copiar e colar.
Passaremos agora para uma situação de plágio de citação, ou
seja, o redator faz as mesmas citações que o autor original, sem ter lido os
mesmos textos que ele.
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Situação 3
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Plágio de citações
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Texto no original
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A partir da defesa desta concepção de universidade como
instituição social, Chauí (2003) ressalta que a reforma neoliberal do Estado,
que, ao considerar a educação como um serviço que pode ser privado ou privatizado,
situa a universidade como uma organização. Esta visão organizacional da
universidade produz o que Chauí (1999) chama de universidade operacional: uma
organização voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de
arbitragem de contratos. Definida e estruturada por normas e padrões alheios
ao conhecimento e à formação intelectual, que se consubstancia, por exemplo,
no aumento de horas-aula, na avaliação quantitativa de publicações, na
multiplicação de participação em comissões e de elaboração de relatórios que
balizam a produtividade docente.
Esta visão organizacional da universidade desestabiliza
seus objetivos sociais, pois, de acordo com Chauí (2003), a educação deve ser
compreendida e materializada como um investimento social e político, devendo
constituir um direito e não um privilégio de poucos.
Pesquisas apontam (BÚRIGO, 2009) que a universidade, em
especial a universidade pública, como instituição social, é um espaço
privilegiado para o processo da formação, pois esta é a sua essência. Não
podemos conceber uma universidade distante do processo da formação, como uma
prática fundamentalmente educativa e social.
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BURIGO, Carla Cristina Dutra; JACOBSEN, Alessandra de
Linhares; WIGGERS, Ludmila. Mestrado Profissional em Administração
Universitária: desafios e perspectivas no processo da gestão universitária. Navus, Florianópolis, v. 6, n. 2, p.
68-78, abr./jun. 2016.
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Texto do redator
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Chauí (1999) nomeia como universidade operacional o tipo
de organização que atende aos propósitos do neoliberalismo, pois é uma
universidade que se preocupa com o quantitativo – publicações, horas-aula,
participações em comissões – sem tomar como central a formação.
Para Chauí (2003) o investimento da universidade precisa
ser no âmbito político e social, como direito dos cidadãos e não como
privilégio de alguns.
Segundo Búrigo (2009) as pesquisas mostram a universidade,
principalmente pública, como espaço privilegiado de formação.
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Na lista de referências do redator:
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BÚRIGO, Carla Cristina Dutra. A Formação de professores da educação
básica nos sistemas educacionais da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Porto
Alegre, 2009. Relatório (Pós-doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre.
CHAUÍ, Marilena. A Universidade
Operacional. Avaliação, Campinas,
v. 4, n. 3, p. 3-8, set. 1999.
CHAUÍ, Marilena. A universidade sob nova
perspectiva. Revista Brasileira de
Educação, Rio de Janeiro, n. 24, p. 5-15, set./dez. 2003.
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O tipo de plágio de citação apresentado na situação 3 é mais
difícil de ser detectado. Isto porque o redator conseguiu parafrasear o texto
fonte e inseriu nas referências os autores citados.
Insistimos em apontar
o plágio como uma traição ao leitor. Caso o leitor não tenha acesso ao texto
original, sua leitura desse texto do redator lhe causa a impressão que ele leu
os dois textos de Chauí (1999, 2003) e o texto de Búrigo (2009) para construir
sua paráfrase quando, na verdade, ele aproveitou a construção do original para
fazer a sua.
Uma possível correção
desse texto seria o uso do apud para evidenciar que o único texto lido
realmente foi o de Burigo Jacobsen e Wiggers (2016). Entretanto, o problema para
corrigir esse erro é que o texto apresentaria uma quantidade excessiva de apud.
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Situação 4
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Tentativa de corrigir o texto da situação
3, mas o erro é o excesso de apud
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Novo texto do redator
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Chauí (1999 apud BURIGO; JACOBSEN; WIGGERS, 2016) nomeia
como universidade operacional o tipo de organização que atende aos propósitos
do neoliberalismo, pois é uma universidade que se preocupa com o quantitativo
– publicações, horas-aula, participações em comissões – sem tomar como
central a formação.
Para Chauí (2003 apud BURIGO; JACOBSEN; WIGGERS, 2016) o
investimento da universidade precisa ser no âmbito político e social, como
direito dos cidadãos e não como privilégio de alguns.
Segundo Búrigo (2009 apud BURIGO; JACOBSEN; WIGGERS, 2016)
as pesquisas mostram a universidade, principalmente pública, como espaço
privilegiado de formação.
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Na lista de referências do
redator:
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BURIGO, Carla Cristina Dutra; JACOBSEN,
Alessandra de Linhares; WIGGERS, Ludmila. Mestrado Profissional em
Administração Universitária: desafios e perspectivas no processo da gestão
universitária. Navus, Florianópolis,
v. 6, n. 2, p. 68-78, abr./jun. 2016.
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A situação 5, mais corriqueira,
embora igualmente incorreta, é quando o redator copia uma citação do original,
busca neste original a referência e insere no seu trabalho como se tivesse sido
criada por ele.
Nesse caso, para um
leitor desatento, tem-se a impressão que o redator do trabalho acadêmico
realmente leu o autor citado, tanto que ele consta de suas referências.
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Situação 5
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O redator copia a citação criada no
original e a referência que ele citou
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Texto no original
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Para a fenomenologia, a consciência não opera no vazio,
porém seu fundamento está centrado na busca pelos significados das
experiências que chegam à consciência (noema) através da percepção (noesis)
(BOAVA; MACEDO, 2011).
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CONCEIÇÃO,
Joelma Telesi Pacheco; CONCEIÇÃO, Márcio Magera; MARTINEWSKY, Alexandre. Turnover feminino nas cooperativas de
resíduos sólidos: um estudo fenomenológico sobre as causas. Navus, Florianópolis, v. 5, n. 4, p.
113-125, out./dez. 2015.
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Na lista de referências do original consta:
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BOAVA,
Diego Luíz Teixeira; MACEDO, Fernanda Maria Felício. Contribuição da fenomenologia para estudos organizacionais.
[2011]. Disponível em:
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Texto do redator
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Para a fenomenologia, a consciência não opera no vazio,
porém seu fundamento está centrado na busca pelos significados das
experiências que chegam à consciência (noema) através da percepção (noesis)
(BOAVA; MACEDO, 2011).
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Na lista de referências do redator:
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BOAVA,
Diego Luíz Teixeira; MACEDO, Fernanda Maria Felício. Contribuição da fenomenologia para estudos organizacionais.
[2011]. Disponível em:
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Conforme dissemos, o
redator fez uma cópia literal da citação do original e copiou sua referência,
como se ele (redator) tivesse criado a citação.
MEDEIROS,
João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos,
resenhas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
Um comentário:
Muito bem explicado!
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