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domingo, 8 de junho de 2014

O QUE PODE SER APRESENTADO EM COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA?

Ainda que eu pense que a academia superou aquela visão de mundo na qual é ciência somente o que pode ser mensurado e apresentado como tal, persiste ainda a ideia que, sem resultados empíricos concretos, uma pesquisa não deve ser comunicada.
                Ora, se não pudéssemos fazer comunicação da produção em andamento, o que seriam dos mestrandos e doutorandos? Estando suas pesquisas em execução, não teriam nada a comunicar? Não teriam direito de comunicar seus referenciais teóricos, seus percursos metodológicos ou mesmo suas construções parciais? Não seriam os eventos de comunicação científica locais privilegiados para suas discussões?
                Em uma crítica ao que chamou de “pensamento formalizante quantificante” nas ciências, Morin (2010, p. 189) afirma que o erro nesta postura é “terminar acreditando que aquilo que não é quantificável e formalizável não existe ou só é a escória do real”. Lembra o autor que a realidade é multidimensional, pois envolvem a dimensão social, individual e biológica.
                Eu quero acreditar que no labor científico, a escolha de conceitos, os referenciais teóricos, os métodos ou estratégias de pesquisa, o conhecimento do tema, do ambiente e dos sujeitos da pesquisa – tanto dos pesquisadores quanto do grupo pesquisado – são também resultados da pesquisa, assim como os dados coletados e suas análises serão.  Neste sentido, merecem e devem ser comunicados.
                Gostaria de argumentar neste pequeno ensaio a favor da importância de um destes elementos que acabei de apontar: o conhecimento sobre os pesquisadores. Faço isto em função de estar desenvolvendo um texto sobre o papel do professor-pesquisador (que não tratarei neste momento), mas quero ressaltar que falar sobre quem é este sujeito que faz pesquisa é tão importante quanto relatar a própria pesquisa.
                Nenhuma observação é neutra. Fourez (1995) lembra que pensar na neutralidade da observação é uma mera ficção. Morin (2010) traça algumas características do pensamento complexo, onde apresenta o que chama de “avenidas da complexidade”, sendo uma delas a volta do observador na sua observação. Neste ponto, diz o autor “não passava de ilusão quando acreditávamos eliminar o observador nas ciências sociais” (MORIN, 2010, p. 185).
                Conhecer o observador, descrever o contexto em que ele vive, suas condições a priori na pesquisa (formação, lugar em que vive, grupo com o qual convive, experiências anteriores), é também fruto do labor científico e, certamente, objeto de comunicação científica.
                É condição da pesquisa não somente o local, os sujeitos pesquisados, o caráter metodológico, mas, fundamentalmente, o indivíduo que pesquisa. E este não é, ou pelo menos não deveria ser, visto como um detentor de verdades absolutas. Como lembra Brandão (1999), uma dificuldade encontrada na atividade científica quando o objeto de pesquisa é também formado por pessoas é a necessidade de se estabelecer uma relação de alteridade, que antecede a pesquisa e que é condição desta. A forma como o pesquisador se coloca é elemento também da pesquisa, pois “em boa medida, a lógica, a técnica e a estratégia de uma pesquisa de campo dependem tanto de pressupostos teóricos quanto da maneira como o pesquisar se coloca na pesquisa e através dela e, a partir daí, constitui simbolicamente o outro que investiga.” (BRANDÃO, 1999, p. 8, grifos do autor).
                Na mesma perspectiva, Carminati e  Meksenas (2008) afirmam que nenhum realidade existe ou é autônoma sem a existência do humano. Ao apontar elementos sobre a produção social da pesquisa, estes autores nos lembram de que a ciência se constitui a partir de duas perspectivas: a funcionalidade dos modelos e a história de uma comunidade de cientistas.
                Considerando que nenhuma pesquisa é neutra, que os dados não falam por si, mas são interpretados tanto à luz da fundamentação teórica escolhida pelo pesquisador, quanto pelo método de pesquisa por ele defendido, não posso deixar de considerar o conhecimento, como afirmei antes, sobre quem é este pesquisador. Conhecê-lo é parte tão importante da pesquisa quanto da construção dos dados e, portanto, objeto de publicação científica.
                Demo (2007) defende que é imprescindível que para ser professor é necessário ser pesquisador. O autor critica tanto a pesquisa afastada do compromisso educativo, quando a redução da educação a atividades centradas meramente na aula reprodutiva. Demo (2011, p. 15) enfatiza que “quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar”.  No caso específico do professor no papel de pesquisador, Sandín Esteban (2010) diz que muitas vezes o docente pode não estar preparado para esta função.
                Para finalizar quero voltar ao meu argumento inicial, de que comunicações científicas, sobretudo aquelas que apresentamos em forma de comunicação oral em congressos das diversas áreas do conhecimento, não necessariamente se restringem aos dados propriamente ditos das pesquisas desenvolvidas. Quero crer que a fundamentação teórica, a metodologia e outros elementos da pesquisa são tão importantes quanto os dados e devem ser comunicados. O elemento específico que aqui defendo como parte da pesquisa e das comunicações dela oriundas é o conhecimento sobre quem é o sujeito que realizou ou realizará uma pesquisa.
                Assim, quando eu for a um congresso de área na qual faço pesquisa, quero ver comunicações de resultados de pesquisa, de metodologias, de revisões teóricas e, também, sobre o próprio pesquisador.

REFERÊNCIAS

CARMINATI, Celso João; MEKSENAS, Paulo. As ciências humanas e a produção social da pesquisa. In: BIANCHETTI, Lucídio; MEKSENAS, Paulo (Org.). A trama do conhecimento: teoria, método e escrita em ciência e pesquisa. Campinas, SP: Papirus, 2008. p. 135-150.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Participar-pesquisar. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999. p. 7-14.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 8. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à filosofia e a ética da ciência. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

SANDÍN ESTEBAN, Maria Paz. Pesquisa qualitativa em educação: fundamentos e tradições. Porto Alegre: AMGH, 2010.