Reproduzo a conclusão da tese:
Na perspectiva de que a
Filosofia é a criação de conceitos e eles são instrumentos ou técnica, o
labirinto rizomático de experiências é o conceito que desenvolvi nesta tese
para usar da técnica de mediação para inserir os professores no universo das
mídias digitais. A técnica, nesse caso, como arte, como saber fazer, mas não um
saber de um técnico especializado que dita para os outros como fazer, e, sim,
que constrói junto, mediando.
Nesse sentido, o mediador é
com um flâneur, um viajante que cria
seu percurso à medida que viaja. Essa foi nossa expectativa desde o início da
pesquisa com os professores em Rio do Sul: viajar com eles nesse território
virtual que é nosso labirinto rizomático de experiências, sem traçado
pré-definido, mas construído nas experiências e o tempo todo de forma mediada.
O labirinto rizomático de
experiências não é apenas um lugar
para o flâneur, mas é o seu lugar. Diferentemente do homem da
multidão, que se mistura, o flâneur
que vagueia no labirinto cria sua marca, seu estilo, faz o seu traçado,
constrói sua história, aqui, no caso, com o uso das mídias digitais.
É possível dizer que aí está
uma diferença da inserção das mídias digitais em práticas pedagógicas dos
professores pela mediação, que constituiu o labirinto rizomático de
experiências, pois, dar um receituário de como utilizar mídias digitais pode
ser fácil, mas o contrário, criar formas de usos pela mediação, não é.
Mediação foi a força motriz
que permitiu a criação de percursos no labirinto rizomático, por isso ele é
formado por conjunção, por “e...e...e...”, que são mediações do tipo S-h-O-h-R e S-h-O-h-R e S-h-O-h-R e S-h-O-h-R e..., indefinidamente. É uma
rede de S-h-O-h-R.
Para trazer os professores
para o projeto de mídias digitais, era preciso afetá-los. Se eu fosse um
cantor, procuraria afetá-los com a música; Se eu fosse um dançarino, os
afetaria com a dança; mas como sou um professor da área de Informática,
procurei afetá-los com as mídias digitais.
Oferecer cursos e oficinas
para os professores, em projetos de formação continuada, é uma forma, ainda que
insuficiente, de inserir as mídias digitais em práticas pedagógicas. Alguns
pesquisadores fazem isso e depois pesquisam sobre as práticas pedagógicas
resultantes da formação. Entretanto, mais do que pesquisar sobre os sujeitos, a
ideia de construir um labirinto rizomático de experiências com os professores
foi o aspecto mais relevante da pesquisa, na condição de professorpesquisador que se insere na história deles e, ao mesmo
tempo, que faz a mediação da formação desses sujeitos, se forma também,
ensinando e ao mesmo tempo aprendendo, juntos, no percurso do labirinto. A
possibilidade de crer e inventar, na mediação de professorpesquisador com sujeitos da pesquisa, usando mídias
digitais, é o que torna o labirinto deste trabalho algo que possa inspirar
outras pesquisas do gênero.
A crença e a invenção, eis o
que, na filosofia de Deleuze, nos permitiu fazer experiências com esses
professores, com as mídias digitais, para a construção do labirinto rizomático
de experiências, um território virtual, aberto às atualizações.
O labirinto rizomático de
experiências é a própria experimentação. Ele é o lugar das experiências, do
sujeito que crê e inventa. Essa é a forma que encontrei de, com os sujeitos da
pesquisa, ultrapassar o dado. Mediando esses professores, tivemos a
oportunidade, juntos, de inferir algo do dado que não está dado e construir
nosso labirinto rizomático de experiências.
Desde a minha entrada no
programa de pós-graduação em Educação da PUC Minas, em 2004, venho me ocupando
com a ideia de usar as mídias digitais nas práticas pedagógicas.
O trabalho com o grupo CAPTE
mostrou que a simples exposição dos professores às mídias digitais não garantia
o seu uso. As oficinas podem ser consideradas simples exposição, pelo menos na
perspectiva do que trabalho nesta pesquisa.
Em Rio do Sul, pude ver, em
2014, situação semelhante. As oficinas de webquest,
criação de sites, entre outras, que
ocorriam em paralelo ao projeto e-Culturas, obtiveram como resultado uma aula
de Geografia que utilizou o Google Earth.
Elas não foram, portanto, suficientes para criar um conjunto de experiências
com as mídias digitais. Pelo menos não na perspectiva do que nesta tese
chamamos de experiência.
Em 2015, quando passamos a
trabalhar com os professores exclusivamente com o projeto de inserção das
mídias digitais, a história foi bem diferente, fato que mostra que fazer o
papel de mediador requer dedicação. Foram 46 reuniões realizadas entre março e
dezembro de 2015. Como professorpesquisador
e mediador das experiências, fiz 20 viagens de Florianópolis a Rio do Sul em 10
meses, o que significou, somente no trânsito, cerca de 180 horas. Soma-se a
isso as horas em reuniões, em aulas com os professores, pesquisa de materiais,
elaboração das minutas de reuniões, solução das demandas descritas na seção
“Itens de ação” de cada minuta. Houve, ainda, os artigos para a Feira Regional
de Matemática, para o colóquio em Belo Horizonte, ambos com a professora de
Matemática; mais os dois artigos para o simpósio em Recife, um com o professor
de Artes e outro com a professora de Língua Portuguesa.
Da parte dos professores, a
pesquisa demandou o uso da hora-atividade deles para preparação das aulas, mais
algumas horas de estudo e de elaboração das atividades, o que significou também
muita dedicação para que as mídias pudessem ser utilizadas em aula com
alinhamento aos conteúdos curriculares em cada disciplina.
Contabilizar tudo isso é
importante para mostrar que a mediação, reafirmo, requer dedicação. É preciso
estar muito disposto a entrar na história do outro e deixar que esse outro
entre em nossa história também.
Em março de 2015, como professorpesquisador que, até então,
levaria para os professores de Rio do Sul uma proposta de inserção de mídias
digitais em suas práticas pedagógicas, eu tinha tão somente a noção de que
viajaria duas vezes ao mês para aquela cidade, sem saber a demanda de tempo
gasto para todas as demais atividades. Eu não tinha ainda a dimensão de tudo
que nos passaria, nos aconteceria, nos
afetaria[1] na
criação e percurso desse labirinto rizomático de experiências. Porque nos
afetou, trouxe tantos resultados positivos: o aprendizado do uso das mídias
digitais pelos professores e pelos alunos; o aprendizado dos conteúdos
curriculares com as mídias digitais; as experiências na relação com professores
e alunos; os blogs criados para
publicação das aulas e dos projetos dos alunos; os artigos para os eventos e a
participação nos mesmos; a Primeira Mostra de Mídias Digitais em Rio do Sul;
entre tantos outros.
Aprendi com essa experiência
que não se trata exclusivamente, como referem alguns autores, da resistência
dos professores em relação aos usos das mídias digitais em suas práticas
pedagógicas. Também não é falta de recursos, como mostrou o depoimento da
professora Klairy quando disse que os laboratórios estavam lá, mas não eram
utilizados.
Esse trabalho mostrou que,
para levar os professores a usar mídias digitais, pressupõe afetá-los, se
inscrever em suas histórias, como mediador. É preciso construir com eles as
experiências, porque ninguém é capaz passar sua experiência para o outro. Não
se passa experiência. Ela se constitui fazendo. O sujeito precisa ser afetado
para ter experiência. A capacidade de formação e transformação que ela permite
é proporcional à capacidade que as pessoas têm de se afetarem na e pela
experiência.
A alternativa encontrada
para que os professores pudessem construir suas experiências foi fazer junto
com eles, aprender junto, mas sempre levando algo para que houvesse, pelo
menos, um ponto de partida.
Se eu fosse um estilista e
criasse um vestido de noiva, talvez minha maior frustração seria não ver a
noiva entrando na igreja com a obra de arte que criei. No caso do estilista,
como qualquer artista, o deleite não está na obra em si, mas no contato que o
público tem com a obra.
Quando a noiva entra no
vestido, ela dá vida ao vestido. Suas curvas, seus movimentos, sua relação com
o vestido, trariam para o estilista um novo jeito de ver o vestido. Isso
possibilitaria a ele rever sua criação.
É possível que o labirinto
rizomático não tenha o mesmo poder de sedução que o vestido da noiva e eu,
longe de ser um artista, como é o estilista, sou um professorpesquisador, curioso para criar e mediar. Por outro lado,
ele se distancia do vestido, na perspectiva de que não é um produto que pode
ser entregue para alguém usar, mas uma forma de pensamento que, quando
percorrido, permite pensar diferente e requer uma reelaboração.
O labirinto rizomático é um
pensamento e, como tal, ele é filosófico. Como instrumento filosófico, ele atua
na perspectiva do educere, que é
mediadora, que pressupõe estender a mão para o outro.
O que faz o dispositivo
labirinto rizomático funcionar não são os instrumentos técnicos somente, como
computadores, mídias digitais ou qualquer outro, nem somente as pessoas, mas as
relações que são estabelecidas entre elas e essas. Cuidar do outro requer
tempo, dedicação, disposição e, sobretudo, respeito à alteridade.
Como pensar um sujeito que
possa ter experiência sem a presença de um mediador? Para que algo nos toque e
nos afete, é necessária a mediação, o convívio com os intercessores.
Há mais perguntas a fazer do
que respostas a dar sobre como o sujeito se torna experimentador. Elejo pelos
menos três questões: O que significa a mediação que permite ao sujeito fazer
experiência? Qual a especificidade da mediação que permite construir a
experiência e, com ela, a experimentação? O que seria uma Educação que pensa e
age tendo essas questões como pano de fundo?
Sem a pretensão de dar as
respostas, por considerar antideleuziana qualquer tentativa nesse sentido, há
que se dar pistas que possam ajudar a pensar como caminhar na perspectiva de
atender às demandas que essas perguntas geram.
A primeira pista é assumir a
figura do narrador, pois este é quem se inscreve naquilo que diz. Sendo a
experiência algo que nos toca, nos passa e nos acontece, e não simplesmente
algo que se passa ou algo que acontece, somente a narrativa seria capaz de
fazer do sujeito professor um sujeito da experiência.
Uma segunda pista é pensar a
educação escolar como lugar para traição, para transgressão. Trair e
transgredir, no sentido positivo que neste texto pudemos observar, são ações
que permitem a transformação, pois, se não houver transformação, não é
considerada ação na perspectiva que aqui foi apontada.
A terceira pista é pensar
que toda ação na educação escolar pode ser considerada como um movimento de
mediação. O mediador é o sujeito capaz de, na ação com este, fazer com que ele
seja sujeito da experiência, que seja capaz de trair, transgredir, para que
juntos, mediador e mediado, tenham condições de crer e inventar. Como o cuidado
de si é também o cuidado com o outro, a crença e a invenção, que permitem aos
sujeitos o ultrapassamento do dado, ou seja, da experimentação, só é possível
mediante essas relações de intercessores um do outro.
O labirinto é também um
espaço de cuidado de si, que implica no cuidado com o outro como espaço de criação
e invenção. Para tal, é preciso ser afetado por aquilo que se vive.
Minha resposta à provocação
inicial, se é preciso ter um profissional de Informática nas escolas para
auxiliar os professores, é sim e não. Sim na medida em que é preciso um técnico
para casos em que houver problemas com a máquina, como o mouse quebrado, uma internet que não esteja funcionando ou algo do
gênero. Mas se for para mediar os professores, creio que não. O mediador pode
estar ali, entre os próprios professores, seja ele docente ou outro
profissional que já atua na escola.
Neste trabalho foi criado um
labirinto rizomático de experiências para que os sujeitos da pesquisa, professorpesquisador, professores e
alunos, pudessem traçar seus percursos de usos das mídias digitais no processo
de ensino e aprendizagem, com conteúdo curricular do ensino fundamental.
A investigação das mediações
se deu pela narrativa nos capítulos 6, 7 e 8. Como é uma tese para ser lida,
ouvida e assistida, como dito no capítulo 1, ver as imagens, acessar os hiperlinks criados no texto, como no
caso dos blogs e também dos 26 vídeos
que têm duração total de 48 minutos, é fundamental para entender a narrativa
criada para mostrar estes acontecimentos.
Narrar os acontecimentos
engendrados pelo labirinto rizomático de experiências me fez pensar que o
importante foi perceber como os acontecimentos afetaram a todos e não em que
medida eles afetaram.
Por esse motivo, embora
tenhamos utilizado a teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada na criação
dos percursos formados por S-h-O-h-R, em momento algum foi pensado em utilizar
os três critérios de mediação previstos na teoria para verificar se foram
contemplados. Qualquer proposta de medição de resultados seria antideleuziana.
Ainda assim, pode ser que
futuras pesquisas venham a identificar, com esses sujeitos, como as mídias
digitais passaram a fazer parte do cotidiano deles. Li muitas pesquisas que
mostravam como os professores utilizam as mídias digitais, ou as tecnologias,
como preferem caracterizar outras. Há casos em que os autores chegam a
mencionar como os professores preparam suas aulas para os usos desses recursos.
Essa tese apresentou como novidade o fato de o professorpesquisador se inscrever na história dos professores e
participar com eles tanto da elaboração das aulas quanto da execução das
mesmas, sempre mediando os processos. Não creio que seja algo absolutamente
inédito, mas ousado.
O labirinto rizomático, como
metáfora para visualizar os percursos construídos nesta pesquisa, serviu para
mostrar que não se trata de oferecer a alguém, no caso os professores, um
caminho para trilhar, mas consiste em criar o caminho. O docente já tem muita
gente dizendo a ele o que fazer, é preciso que as pesquisas na Educação,
sobretudo aquelas para uso das mídias digitais, sejam conduzidas de forma
verdadeiramente mediadas.
Para finalizar, o que essa
pesquisa mostrou é que pensar a Educação, nesse caso com uso das mídias
digitais, não é algo tão simples e encantador quanto possa parecer, porque
exige pesquisa, dedicação, tempo e muita mediação. Pode ser fácil dizer para as
pessoas o que fazer, difícil é assumir o desafio de fazer com elas. Aí está a
essência da mediação.