Eli Lopes da Silva
Palestra de abertura da
1a. Semana de Iniciação Científica
Faculdade de Tecnologia Senac Blumenau
14 de maio de 2011
A formulação do projeto de pesquisa: etapas
Goldenberg (2000) apresenta algumas etapas que devem ser consideradas na formulação de um projeto de pesquisa:
- Delimitar o problema dentro de um campo de estudo: é preciso definir um foco da pesquisa. O problema não pode ser genérico ou abrangente demais.
- Reduzir a tarefa de pesquisa ao que o pesquisador é capaz de realizar: a maioria dos pesquisadores tende a querer “abraçar o mundo” com sua pesquisa. Ao delimitar o campo de estudo, deve-se pensar também em como delimitar as atividades que se propõe a executar na pesquisa, para que o pesquisador não se veja frustado por não dar conta de fazer tudo aquilo que planejou. É preciso ter pé no chão com a proposta.
- Evitar coleta de dados que favoreça a uma determinada solução: é comum o pesquisador ir a campo já com uma ideia fixa do que vai encontrar e, muitas vezes, esta fixação turva a visão do pesquisador. Se o pesquisador vai a campo já com a intenção de provar algo, independente do dado que vai coletar, não tem sentido a coleta. É preciso que o pesquisador esteja aberto ao que vai encontrar na coleta, mesmo que a descoberta esteja na contramão do que ele esperava ver.
- Definir os conceitos a serem utilizados: atentar-se aos conceitos-chave da pesquisa. É importante defini-los com clareza tanto para o leitor do trabalho, quanto para o próprio pesquisador, que precisa saber do que está falando. A definição de conceitos é um elemento fundamental para que o pesquisador consiga estabelecer os limites daquilo que vai tratar, ou o campo de atuação da pesquisa.
- Prever as etapas do processo de pesquisa, ainda que precise reformulá-las. O pesquisador não deve se envergonhar de refazer o planejamento da pesquisa.
A formulação do projeto de pesquisa: objetivos - geral e específicos
O objetivo geral de uma pesquisa está relacionado à questão principal da pesquisa, ao problema a ser resolvido. O objetivo geral surge de uma pergunta de pesquisa que instiga o pesquisador a procurar uma resposta.
Os objetivos específicos estão relacionados às questões secundárias que serão respondidas para dar conta de resolver a questão principal, ou o objetivo geral. Um cuidado que se deve ter é que os objetivos específicos não podem ir além e também não podem estar aquém do objetivo geral. É erro comum o pesquisador escrever nos objetivos específicos ações que, se forem concretizadas na prática, vão além do é necessário para resolver o problema principal da pesquisa. Quando isto acontece, é preciso rever o objetivo geral, de maneira que ele agregue os objetivos específicos propostos ou então retirar dos específicos aquelas ações que estão “sobrando”. Cada objetivo específico deve ser pensado à luz da seguinte pergunta: O que fazer para alcançar o objetivo geral proposto?
Alicerce de uma boa pesquisa
Severino (2010) apresenta quatro pilares para uma boa pesquisa: legitimidade, construtividade do conhecimento, metodicidade e comunidade.
A legitimidade de uma pesquisa é o compromisso que ela deve ter com a relevância social. Uma pesquisa deve ser pensada para dar às pessoas condições de emancipação; ela deve visar uma transformação qualitativa da sociedade.
A construtividade do conhecimento está relacionada ao fato de que o professor precisa pesquisar para bem ensinar. E quanto ao aluno, precisa de prática investigativa para bem aprender. “Só se aprende ciência, praticando a ciência; só se pratica a ciência praticando a pesquisa e só se pratica a pesquisa, trabalhando o conhecimento a partir das fontes apropriadas a cada tipo de objeto”. (SEVERINO, 2010, p.4).
A questão do método da pesquisa deve ser levada ao pesquisador junto com a imersão no universo teórico e conceitual. Portanto, a metodicidade diz respeito à prestar atenção não somente nos métodos de pesquisa, mas em toda a discussão relevante da área que está sendo investigada na pesquisa.
Já o alicerce da comunidade diz respeito à inserção dos pesquisadores em comunidades de pesquisa, bem como vislumbrar que a construção do conhecimento se dá coletivamente.
A motivação da pesquisa não pode ser a satisfação do próprio ego do pesquisador. Pesquisa não é o mesmo que consultoria. O pesquisador não deve se julgar no direito de dizer ao sujeito da pesquisa o que deve fazer, mesmo em situações nas quais o pesquisador investiga as atividades exercidas em organizações, como acontece geralmente em pesquisas nos Cursos Superiores de Tecnologia.
Teoria e prática
O processo de produção de conhecimento não se dá somente na teoria, mas também não acontece somente com base em dados empíricos. Neste sentido, concordando com Demo (2009), uma pesquisa empírica não precisa ser empirista. Martins e Theóphilo (2009) definem o empirismo como uma linha de pensamento filosófico segundo a qual a ciência explica apenas aquilo que pode ser observado na realidade, pois a ciência é vista aí como uma descrição dos fatos. Para os empiristas o fato existe mesmo que não haja atribuição de valor ou de algum posicionamento teórico.
Ainda sobre o empirismo, Demo (1995, p.140) afirma: “Cremos que o empirismo seja a abordagem mais simplória que já se produziu”. O autor conclui que este tipo de abordagem conduz ao que ele intitula uma demissão teórica, que significa “negar trabalho teórico na constatação empírica, como se o dado fosse evidente em si. Toda sensação de evidência não provém, porém, do dado, mas do quadro teórico em que é colhido”. (DEMO, 1995, p.141).
A construção de um trabalho de pesquisa científica e a elaboração do seu relato (monografia) deve levar em conta estes aspectos apontados, principalmente com uma boa relação da teoria e prática, os processos pelas quais a prática deriva de uma teoria ou mesmo quando, a partir de uma prática, elabora-se um constructo teórico. Os fenômenos que acontecem na realidade não são explicavéis sem uma boa base teórica para tal. Medeiros (2009) lembra que, na pesquisa científica, a teoria tem a característica de apresentar o conjunto de princípios de uma ciência. Sem uma explanação clara do quadro teórico que tenha servido de base para o trabalho, não há como estabelecer critérios de validade, confiabilidade ou mesmo causalidade. Os conceitos, as definições, as constatações de uma pesquisa científica necessitam de bases teóricas que sejam capazes não apenas de dar sustentação, mas também de demonstrar como estas constatações foram objetivadas. Martins e Theóphilo (2009) sustentam que, para defender uma tese, faz-se necessário a formulação/utilização de conceitos, definições e constructos. Cabe ressaltar que o termo tese aqui usado pelos autores não coincide com o doutoramente, mas sim um significado mais amplo de uma proposição formulada para ser defendida em público.
Um conceito é uma palavra que expressa a abstração de um fenômeno ou objeto. Entretanto, “embora o conceito seja normalmente indicado por um nome, ele não é o nome” (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p.33). Portanto, a noção de conceito praticamente confunde-se com a noção de significado. Como o significado depende não apenas de interpretação, mas de como ele foi elaborado, um objeto ou fenômeno pode ter significados diferentes conforme visões diferentes de mundo são aplicadas ao objeto. Dito de outra forma, expressa quais teorias lhe serviram de base.
Uma definição “consiste em determinar a extensão e a compreensão de um objeto ou abstração” (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p.34). Já o constructo é “uma definição operacional robusta que busca representar empiricamente um conceito dentro de um específico quadro teórico”. (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p.35). Portanto, sem um quadro teórico bem delimitado, devidamente fundamentado, sem uso de conceitos, definições e constructos no relato de uma pesquisa, ela corre o risco de tornar-se vazia, sem sentido ou sem sustentação. A teoria poderia ser entendida a partir da figura 1, elaborada com base nas considerações de Martins e Theóphilo (2009).
Figura 1: Significados de Teoria
Fonte: elaborado pelo autor, baseado em Martins e Theóphilo (2009)
A relação teoria-prática, tomando como base os mesmos autores, poderia ser esquematicamente representada conforme a figura 2.
Figura 2: Relação teoria-prática
Fonte: elaborado pelo autor, com base em Martins e Theóphilo (2009)
A teoria é concretizada em várias práticas. A prática, por sua vez, é uma opção da teoria e, por este motivo, ela apequena a teoria, dando a ela um caráter limitante. Já a teoria contém elementos utópicos que, por isso, são irrealizáveis historicamente. A prática é ideológica e, como tal, é realizada dentro de uma opção política. Assim, a realidade social é fundamentalmente prática e instrinsicamente ideológica.
Sem investigação concreta, a sociologia não está longe de ser um discurso filosófico ou político arbitrário. Por outro lado, sem problemática teórica a sociologia é considerada apenas como enquete e degenera em vulgar pesquisa de opinião. (THIOLLENT, 1982, p.21).
Em resumo, o objetivo da teoria é a reconstrução conceitual das estruturas objetivas dos fenômenos com o propósito de compreender e explicar esses fenômenos. O objetivo da teoria na pesquisa é orientar a busca dos fatos, estabelecer critérios para observar e também para buscar respostas. (MARTINS; THEÓPHILO, 2009).
O Curso Superior de Tecnologia (CST) e a pesquisa
A resolução CNE/CP número 3, de 18/12/2002 disponível no endereço eletrônico http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CP032002.pdf, é o instrumento legal que reconhece os Cursos Superiores de Tecnologia (CSTs) como cursos de graduação. Ela determina algumas características dos CSTs, entre elas: incentivar a produção e a inovação científico-tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho.
O Curso Superior de Tecnologia, além de fornecer subsídios práticos para inserção no mundo do trabalho, deve formar cidadão com uma base teórica sólida o suficiente para que o egresso seja capaz de aprender a aprender, de ter ciência das ações que executa e de ter condições de fazer pesquisa.
Um possível roteiro de pesquisa
Castro (2006) apresenta uma sugestão de roteiro de pesquisa, embora o autor afirma que o objetivo não é “engessar” um processo de produção de pesquisa, mas dar algumas dicas de etapas (não lineares) que podem ser seguidas na condução de uma pesquisa. São elas:
• Escolha do objeto de pesquisa.
• Determinação dos objetivos.
• Apreciação do impacto da pesquisa.
• Escolha das variáveis empíricas.
• Análise dos riscos.
• Intimidade com o tema.
• Determinação dos obstáculos.
• Escolha dos métodos.
• Descrição da forma de análise dos dados.
• Coleta de dados.
• Análise dos dados.
• Redação do relatório de pesquisa.
Conclusão
Pesquisar requer um certo esforço, perseverança e conhecimento do tema da pesquisa. O pesquisador precisa definir muito bem seu objeto de estudo, traçar seus objetivos (geral e específicos), estabelecer os limites conceituais, aprofundar no referencial teórico e buscar coletar dados para confrontá-los com estes referenciais.
Os Cursos Superiores de Tecnologia (CSTs), por sua natureza teórico-prática, dão plenas condições aos alunos de fazer pesquisa durante a graduação. A resolução do Conselho Nacional de Educação sugere que estes cursos tenham esta característica, qual seja, de fazer pesquisa e estabelecer sua vinculação com o mercado de trabalho.
No planejamento e execução de pesquisas, professores e alunos de CSTs criam condições de estabelecer o vínculo teoria e prática, além de oportunizarem aprendizado para ambos.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Claudio de Moura. A prática da pesquisa. 2.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1995.
DEMO, Pedro. (2009). Professor e Pesquisa (8): dados empíricos. Disponível em:
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
MARTINS, Gilberto de Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 11.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Pesquisa e construção de conhecimento: os desafios da pós-graduação nas encruzilhadas dos caminhos. In: : COLÓQUIO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 7., 2010, Belo Horizonte. Anais do VII Colóquio Nacional de Pesquisa em Educação. São João Del Rei, MG: Editora UFSJ, 2010. ISBN 978-85-88414-60-0.
THIOLLENT, Michel J.M. A procura de alternativas metodológicas. In: THIOLLENT, Michel J.M. (Org.). Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Polis, 1982. p.15-30.