RESUMO
Este artigo utiliza uma revisão bibliográfica de publicações acerca do tema técnicas de pesquisa para elencar os pressupostos epistemológicos da fundamentação teórica, bem como afirmar sua imprescindibilidade, sobretudo em Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) em nível de pós-graduação. Para tal, buscou-se conceituar TCC, sua obrigatoriedade em âmbito legal e, a partir daí, procurou-se sustentar a imprescindibilidade da fundamentação teórica em pesquisa científica neste tipo de trabalho acadêmico. A dicotomia teoria/prática é apresentada como forma de estabelecer uma relação entre ambas e, neste aspecto, faz-se uma crítica ao empirismo. Com base nisto, conclui-se que os dados empíricos não falam por si só e que é necessário estabelecer uma relação clara da pesquisa de campo com as bases teóricas que a sustentam.
Palavras-chave: Trabalho de conclusão de curso. Fundamentação teórica. Pós-graduaçao.
1 INTRODUÇÃO
A resolução número 01/2007 do Conselho Nacional de Educação (2007) estabelece, em seu artigo sétimo, que os certificados dos cursos de pós-graduação devem conter o título da monografia ou do trabalho de conclusão de curso. No caso dos cursos de pós-graduação a distância, estes devem possuir provas presenciais e uma monografia ou trabalho de conclusão de curso.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (2010) estabelece, no Manual de TCC, que:
O TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) é o documento que representa o resultado de estudo, devendo constituir a culminância do processo de aprendizagem desenvolvido pelo estudante, através de sínteses pessoais aplicativas, elaboradas com base nas reflexões realizadas e nos insumos adquiridos no estudo das diferentes Unidades Curriculares do Curso. (SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL, 2010, p.3).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA EM PESQUISA CIENTÍFICA
Reconhece ainda o referido manual que o trabalho deve estar em conformidade com as características de uma pesquisa científica. Severino (2002, p. 149) diz que este tipo de pesquisa “deve superar necessariamente o simples levantamento de fatos e coleção de dados, buscando articulá-los no nível de uma interpretação teórica [grifo nosso]”. Segundo o autor, não se faz ciência sem esforço, perseverança e obstinação e o trabalho deve ser original, no sentido de voltar às origens, o que requer rigor e criatividade, não havendo lugar para espontaneísmo e mediocridade.
Severino (2002, p.143) afirma que o objetivo da pós-graduação é “a pesquisa rigorosa nas várias áreas do saber, desenvolvendo a fundamentação teórica [grifo nosso], a reflexão, o levantamento rigoroso de dados empíricos”. Ainda nesta linha de pensamento Brandão (2002, p.16), quando traz sua visão sobre a qualidade de uma boa pós-graduação afirma: “o principal suporte da PG é uma carga bastante intensa de leitura e discussão sobre as referências básicas da área (o equivalente a paradigmas kuhnianos) e o conhecimento dos seus desdobramentos sobre a produção da área”.
Flick (2009, p. 61), quando traz à tona a questão da utilização da literatura na pesquisa qualitativa, critica que em muitos livros acadêmicos “algumas vezes encontra-se a ideia de que a pesquisa qualitativa não precisa partir de uma revisão da literatura ou que deva até mesmo evitar essa etapa no início”. Entretanto, o autor afirma que é importante não apenas fazer uma boa revisão de literatura, como sugere diversos tipos de literatura que devem abranger: a leitura teórica sobre o tema, uma leitura empírica de pesquisas já realizadas, uma leitura metodológica e também uma leitura teórica e empírica que servirá para contextualizar, comparar ou mesmo generalizar descobertas. Para Moreira e Caleffe (2008, p.27) “uma boa revisão de literatura ajuda o professor/pesquisador a contextualizar seu problema de pesquisa em um modelo teórico mais amplo”. Estes autores, a exemplo de Flick (2009) também fazem uma classificação dos tipos de revisão. O que fica evidente na visão de todos eles é a importância de uma boa fundamentação teórica, sobretudo porque é ela que dá sustentação para as análises resultantes da pesquisa empírica.
Brandão (2002, p.72) traz esta questão da importância da fundamentação teórica de uma forma esquemática:
novos problemas à volta aos clássicos à releituras à luz das questões levantadas à enfrentamento das questões à avanços à outros problemas... clássicos à novas leituras à novos avanços... Este processo de fazer pesquisa [...] permite a familiarização com a linguagem, a lógica e a dinâmica geradas pelo processo de produção de conhecimento.
CRÍTICAS AO EMPIRISMO
O processo de produção de conhecimento não se dá somente na teoria, mas também não acontece somente com base em dados empíricos. Neste sentido, concordando com Demo (2009), uma pesquisa empírica não precisa ser empirista. Martins e Theóphilo (2009) definem o empirismo como uma linha de pensamento filosófico segundo a qual a ciência explica apenas aquilo que pode ser observado na realidade, pois a ciência é vista aí como uma descrição dos fatos. Para os empiristas o fato existe mesmo que não haja atribuição de valor ou de algum posicionamento teórico.
Ainda sobre o empirismo, Demo (1995, p.140) afirma: “Cremos que o empirismo seja a abordagem mais simplória que já se produziu”. O autor utiliza conclui que este tipo de abordagem conduz ao que ele intitula uma demissão teórica que significa “negar trabalho teórico na constatação empírica, como se o dado fosse evidente em si. Toda sensação de evidência não provém, porém, do dado, mas do quadro teórico em que é colhido”. (DEMO, 1995, p.141).
RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA
A construção de um trabalho de pesquisa científica e a elaboração do seu relato (monografia) deve levar em conta estes aspectos apontados, principalmente com uma boa relação da teoria e prática, os processos pelas quais a prática deriva de uma teoria ou mesmo quando, a partir de uma prática, elabora-se um constructo teórico. Os fenômenos que acontecem na realidade não são explicavéis sem uma boa base teórica para tal. Sem uma explanação clara do quadro teórico que tenha servido de base para o trabalho, não há como estabelecer critérios de validade, confiabilidade ou mesmo causalidade. Os conceitos, as definições, as constatações de uma pesquisa científica necessitam de bases teóricas que sejam capazes não apenas de dar sustentação, mas também de demonstrar como estas constatações foram objetivadas. Martins e Theóphilo (2009) sustentam que, para defender uma tese, faz-se necessário a formulação/utilização de conceitos, definições e constructos. Cabe ressaltar que o termo tese aqui usado pelos autores não coincide com o doutoramente, mas sim um significado mais amplo de uma proposição formulada para ser defendida em público.
Um conceito é uma palavra que expressa a abstração de um fenômeno ou objeto. Entretanto, “embora o conceito seja normalmente indicado por um nome, ele não é o nome” (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p.33). Portanto, a noção de conceito praticamente confunde-se com a noção de significado. Como o significado depende não apenas de interpretação, mas de como ele foi elaborado, um objeto ou fenômeno pode ter significados diferentes conforme visões diferentes de mundo são aplicadas ao objeto. Dito de outra forma, quais teorias lhe serviram de base.
Uma definição “consiste em determinar a extensão e a compreensão de um objeto ou abstração” (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p.34). Já o constructo é “uma definição operacional robusta que busca representar empiricamente um conceito dentro de um específico quadro teórico”. (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p.35).
Portanto, sem um quadro teórico bem delimitado, devidamente fundamentado, o uso de conceitos, definições e constructos no relato de uma pesquisa corre o risco de tornar-se vazia, sem sentido ou sem sustentação.
A teoria poderia ser entendida a partir da figura 1, elaborada com base nas considerações de Martins e Theóphilo (2009).
Figura 1: Significados de Teoria Fonte: elaborado pelo autor, com base em Martins e Theóphilo (2009) |
A relação teoria-prática, tomando como base os mesmos autores, poderia ser esquematicamente representada conforme a figura 2.