Ainda que eu pense que a academia superou aquela visão de mundo na
qual é ciência somente o que pode ser mensurado e apresentado como tal,
persiste ainda a ideia que, sem resultados empíricos concretos, uma pesquisa
não deve ser comunicada.
Ora, se não
pudéssemos fazer comunicação da produção em andamento, o que seriam dos
mestrandos e doutorandos? Estando suas pesquisas em execução, não teriam nada a
comunicar? Não teriam direito de comunicar seus referenciais teóricos, seus
percursos metodológicos ou mesmo suas construções parciais? Não seriam os
eventos de comunicação científica locais privilegiados para suas discussões?
Em uma crítica ao
que chamou de “pensamento formalizante quantificante” nas ciências, Morin
(2010, p. 189) afirma que o erro nesta postura é “terminar acreditando que
aquilo que não é quantificável e formalizável não existe ou só é a escória do
real”. Lembra o autor que a realidade é multidimensional, pois envolvem a dimensão
social, individual e biológica.
Eu quero
acreditar que no labor científico, a escolha de conceitos, os referenciais
teóricos, os métodos ou estratégias de pesquisa, o conhecimento do tema, do
ambiente e dos sujeitos da pesquisa – tanto dos pesquisadores quanto do grupo
pesquisado – são também resultados da pesquisa, assim como os dados coletados e
suas análises serão. Neste sentido,
merecem e devem ser comunicados.
Gostaria de
argumentar neste pequeno ensaio a favor da importância de um destes elementos
que acabei de apontar: o conhecimento sobre os pesquisadores. Faço isto em
função de estar desenvolvendo um texto sobre o papel do professor-pesquisador
(que não tratarei neste momento), mas quero ressaltar que falar sobre quem é
este sujeito que faz pesquisa é tão importante quanto relatar a própria
pesquisa.
Nenhuma
observação é neutra. Fourez (1995) lembra que pensar na neutralidade da
observação é uma mera ficção. Morin (2010) traça algumas características do
pensamento complexo, onde apresenta o que chama de “avenidas da complexidade”,
sendo uma delas a volta do observador na sua observação. Neste ponto, diz o
autor “não passava de ilusão quando acreditávamos eliminar o observador nas
ciências sociais” (MORIN, 2010, p. 185).
Conhecer o
observador, descrever o contexto em que ele vive, suas condições a priori na
pesquisa (formação, lugar em que vive, grupo com o qual convive, experiências
anteriores), é também fruto do labor científico e, certamente, objeto de
comunicação científica.
É condição da pesquisa
não somente o local, os sujeitos pesquisados, o caráter metodológico, mas,
fundamentalmente, o indivíduo que pesquisa. E este não é, ou pelo menos não
deveria ser, visto como um detentor de verdades absolutas. Como lembra Brandão
(1999), uma dificuldade encontrada na atividade científica quando o objeto de
pesquisa é também formado por pessoas é a necessidade de se estabelecer uma
relação de alteridade, que antecede a pesquisa e que é condição desta. A forma
como o pesquisador se coloca é elemento também da pesquisa, pois “em boa
medida, a lógica, a técnica e a estratégia de uma pesquisa de campo dependem
tanto de pressupostos teóricos quanto da maneira como o pesquisar se coloca na pesquisa e através dela e, a partir daí, constitui simbolicamente o outro que investiga.” (BRANDÃO, 1999, p.
8, grifos do autor).
Na mesma
perspectiva, Carminati e Meksenas (2008)
afirmam que nenhum realidade existe ou é autônoma sem a existência do humano.
Ao apontar elementos sobre a produção social da pesquisa, estes autores nos lembram
de que a ciência se constitui a partir de duas perspectivas: a funcionalidade
dos modelos e a história de uma comunidade de cientistas.
Considerando que
nenhuma pesquisa é neutra, que os dados não falam por si, mas são interpretados
tanto à luz da fundamentação teórica escolhida pelo pesquisador, quanto pelo
método de pesquisa por ele defendido, não posso deixar de considerar o
conhecimento, como afirmei antes, sobre quem é este pesquisador. Conhecê-lo é
parte tão importante da pesquisa quanto da construção dos dados e, portanto,
objeto de publicação científica.
Demo (2007)
defende que é imprescindível que para ser professor é necessário ser
pesquisador. O autor critica tanto a pesquisa afastada do compromisso educativo,
quando a redução da educação a atividades centradas meramente na aula
reprodutiva. Demo (2011, p. 15) enfatiza que “quem ensina carece pesquisar;
quem pesquisa carece ensinar”. No caso
específico do professor no papel de pesquisador, Sandín Esteban (2010) diz que
muitas vezes o docente pode não estar preparado para esta função.
Para finalizar
quero voltar ao meu argumento inicial, de que comunicações científicas,
sobretudo aquelas que apresentamos em forma de comunicação oral em congressos
das diversas áreas do conhecimento, não necessariamente se restringem aos dados
propriamente ditos das pesquisas desenvolvidas. Quero crer que a fundamentação
teórica, a metodologia e outros elementos da pesquisa são tão importantes
quanto os dados e devem ser comunicados. O elemento específico que aqui defendo
como parte da pesquisa e das comunicações dela oriundas é o conhecimento sobre
quem é o sujeito que realizou ou realizará uma pesquisa.
Assim, quando eu
for a um congresso de área na qual faço pesquisa, quero ver comunicações de
resultados de pesquisa, de metodologias, de revisões teóricas e, também, sobre
o próprio pesquisador.
REFERÊNCIAS
CARMINATI, Celso João; MEKSENAS, Paulo. As ciências humanas e a
produção social da pesquisa. In: BIANCHETTI, Lucídio; MEKSENAS, Paulo (Org.). A
trama do conhecimento: teoria, método e escrita em ciência e pesquisa.
Campinas, SP: Papirus, 2008. p. 135-150.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Participar-pesquisar. In: BRANDÃO, Carlos
Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo:
Brasiliense, 1999. p. 7-14.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 8. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2007.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 14. ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à
filosofia e a ética da ciência. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1995.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 13. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2010.
SANDÍN ESTEBAN, Maria Paz. Pesquisa qualitativa em educação:
fundamentos e tradições. Porto Alegre: AMGH, 2010.
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