Acessos

sábado, 19 de março de 2011

PENSAMENTO COMPLEXO


Eli Lopes da Silva
eli@prof.sc.senac.br
Eliezer Pereira Lopes
eliezer@prof.sc.senac.br

Tudo o que isola um objeto,
destrói a sua realidade.
(MORIN, 1998, p.187 apud MORAES, 2004, p.161)

Os dois mal-entendidos



O físico Nicolescu (1995) sinalizou em sua obra a emergência de uma epistemologia que desse conta de explicar o mundo cada vez mais complexo. Moraes (2004, p.163) indica que a:

identificação e a clareza a respeito desses pressupostos epistemológicos são muito importantes, especialmente para a abertura e o desenvolvimento de novas reflexões e compreensões no que se refere às implicações no processo de construção do conhecimento e na aprendizagem.

Os debates epistemológicos anglo-saxões não tratavam da complexidade. Gaston Bachelard foi uma exceção a esta regra. Morin (2010) afirma que o fato da complexidade ter ficado à margem dos debates filosóficos, gerou dois mal-entendidos principais.
Morin (2010, p. 176) diz que o primeiro mal-entendido “consiste em conceber a complexidade como receita, como resposta, em vez de considerá-la como desafio e como uma motivação para pensar”. Isto significa que não encontraremos na teoria da complexidade respostas para os problemas, sejam eles da área educacional ou não. Também não se trata de criar, a partir da teoria, parâmetros que vão direcionar qualquer prática, seja ela qual for. Ela é, na verdade, um desafio a pensar os problemas de uma forma mais ampla, considerando as várias dimensões que cada problema apresenta.
Segundo Morin (2010) a complexidade é um esforço para conceber questionamentos desafiantes que se aprofundem cada vez mais visando esclarecer a nossa visão e compreensão do mundo, da natureza.
O segundo mal-entendido está no fato de ver a complexidade como sinônimo de completude. Ao contrário, ela nos mostra a incompletude do conhecimento, ou seja, vai contra o pensamento simplificante da realidade, pois prevê o estabelecimento de relações, contra qualquer reducionismo.
Neste sentido a complexidade busca reunir diversas formar do conhecer o todo em suas diversas características, levando em conta a identidade de cada uma delas, não se esquecendo de que a incompletude e a incerteza na compreensão do todo devem se fazer companheiros de caminhada, na busca de várias formas de conhecimento e de suas articulações de forma a combater o pensamento mutilante, incompleto, limitante. As soluções simples e elegantes, deram lugar aquilo que não parecia científico, o complicado, o incerto, o contraditório, o desordenado no âmbito das ciências humanas.  Diante disso, Morin (2010), seguindo o Pensamento Complexo, lança uma indagação acerca da existência de diversas formas de complexidade e não apenas de uma.


As nove avenidas da complexidade


            Morin (2010) indica que não há um único caminho que leva à complexidade, mas propõe seguir diversos caminhos que conduzem ao desafio de se chegar ao pensamento complexo, caminhos estes aos quais ele denominou avenidas.


Primeira avenida: a irredutibilidade do acaso e da desordem

O acaso e a desordem estão presentes no universo e é preciso saber lidar com as incertezas.
Quando não se conseguia modelar fenômenos como crescimento populacional, de culturas de microorganismos, intempéries, explosões solares por falta de ferramentas científicas para estudar a contento tais fenômenos, recorreu-se à observação e à experimentação para tentar obter uma estimativa mais próxima da realidade possível do comportamento de tais fenômenos. Uma implicação da aplicação deste primeiro caminho foi o Algoritmo do Resfriamento em que se repassa calor a um corpo, provocando assim, certo grau de aleatoriedade no movimento dos seus átomos. Uma vez cessada esta fase de aquecimento do corpo, os átomos, através de colisões aleatórias devolveriam a energia recebida tendendo todos eles a um novo estado de equilíbrio, possivelmente, diferente do original. Porém, eventualmente, tal estado de equilíbrio poderia ser considerado como o estado de equilíbrio de energia mínima. O modelamento do algoritmo do resfriamento, no domínio da Ciência da Computação, permitiu simular tal comportamento através de algoritmos computacionais e assim criar o famoso algoritmo Simulated Annealing de inúmeras aplicações no domínio da Inteligência Artificial.
Outra conseqüência seriam os modelos de mesoescala para previsão do comportamento climático em nível regional e mundial, de tão grande importância para a agricultura, aviação comercial e militar, por exemplo, geração de eletricidade e deslocamento terrestre de pessoas e cargas em países com variações climáticas extremas, principalmente, como ocorre nos Estados Unidos, país em que não se sai de casa sem consultar as previsões do Weather Channel (Canal do Tempo). Portanto, quando certos fenômenos são parcialmente conhecidos ou conhecidos de uma forma que a Tecnologia ou a Ciência atual não conseguem manipular ou explicar, recorre-se a modelos probabilísticos e a Teoria do Caos para se obter uma idéia do comportamento de tais fenômenos.



Segunda avenida: a transgressão, nas ciências naturais, dos limites da abstração universalista que elimina a singularidade, a localidade e a temporalidade

Unidade não deve se opor à diversidade, o local não se opõe ao global, mas se complementam. Trivinho (2007) afirma existir hoje uma experiência antropológica que nos permite falar de glocal, uma combinação de local com global.
A comunicação e a velocidade acabaram por forjar uma experiência antropológica típica, hoje subsumida na reprodução universal do social, a saber, o glocal – nem exclusivamente global, nem inteiramente local, misto de ambos sem se reduzir a tais. (TRIVINHO, 2007, p. 20).

Assim, não dá para pensar o global sem ter como referência o local, que é produtor deste global, mas ao mesmo tempo é uma variante do global. Aqui a ideia de que o todo está na parte e a parte está no todo.
Na Astronomia, uma anomalia no reticulado espaço-tempo produz singularidades. Ao se observar, em simulações computacionais a deformação nas curvas do espaço-tempo devida, por exemplo, ao efeito gravitacional, Einstein predisse a curvatura dos raios luminosos nas proximidades destas singularidades, que mais tarde foi comprovada por diversos astrônomos, inclusive Hubble. Isto comprovou a dualidade no comportamento dos raios luminosos, ou seja, dependendo do meio, a luz ora se comporta como onda, ora se comporta como partícula.

A eliminação da localidade nas ciências naturais

Por exemplo, temos o Paradoxo dos Gêmeos no qual dois irmãos gêmeos fazem parte de um dos chamados experimentos mentais de Einstein. Um deles permanece em terra. O outro embarca em uma nave espacial que circunda a Terra (uma singularidade gravitacional) em alta velocidade, numa órbita elevada. Ao retornar ao nosso planeta o irmão gêmeo que viajou pelo espaço aparenta ser mais jovem que aquele que ficou em terra. Inclusive o relógio de pulso do irmão viajante mostra um horário diferente daquele exibido pelo relógio do irmão que ficou em terra. Para aquele que fez a viagem orbital o tempo passou mais lentamente. Tal fato foi comprovado por experimentos levados a cabo nas diversas viagens dos saudosos e perigosos ônibus espaciais. Portanto a noção de tempo e espaço depende do observador. Einstein postulou, inclusive, que deve haver uma localidade no reticulado espaço-tempo onde o tempo não flui e portanto não existiria a morte, conseqüência do domínio do tempo.


Terceira avenida: caminho da complicação

Os fenômenos se apresentam com suas interações e não como elementos isolados em si mesmos. Além disto, o mundo real não é tão linear como a ciência clássica procura propor e como, às vezes, as práticas pedagógicas possam tentar impor. A prática pedagógica que caminha em direção ao pensamento complexo deve abranger uma não linearidade que dê abertura para o entendimento das interações entre os diversos objetos do conhecimento.
A educação escolar tradicional, muitas vezes forma um indivíduo especializado que não consegue enxergar além daquela especialização, como diria Santos (2010, p.74) “é hoje reconhecido que a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos”.


Este caminho surgiu a partir da constatação de que os fenômenos biológicos e sociais apresentavam um número extremamente elevado de interações e ações em sentido reverso aquele do sinal de informação. As implicações disto para a ciência pós-moderna traduziram-se, por exemplo, no modelamento das chamadas redes neurais ou neuronais que procuravam, ainda que de forma bem simplificada, processar informações à semelhança da forma com que os neurônios humanos o fazem.  Uma decorrência interessante é que não se sabe ao certo como as redes neurais artificiais processam a informação, mas sabe-se que elas conseguem serem treinadas e, à medida que o treinamento exibe cenários com crescente grau de complexidade, as redes neurais artificiais aprendem a nova informação e são capazes de processar um grau incomum de informações. Já se fala em computador neural, no campo da Ciência da Computação. No campo da Geofísica o radar neural concebido e modelado por brasileiros já é uma realidade palpável.


Quarta avenida: caminho da relação entre ordem, desordem e organização

A ordem nasce a partir de uma certa lógica da desordem. As turbulências da desordem permitem que surjam a ordem, embora isto pareça contraditório. Morin fala de um princípio “order from noise”, como se fosse uma ordem do barulho ou da desordem. Colom (2004), ao tratar da teoria do Caos, diz que “a ordem é conseqüência do caos e o caos possibilita a ordem em constante alternância” (COLOM, 2004, p.120). Assim, o caos é uma sucessão de instabilidade e turbulência. O autor se utiliza da teoria do caos, para, dentre outras conclusões, afirmar que ela deve servir para uma nova concepção de narrativa. Moraes (2004), citando Morin (1998) afirma que:

É preciso uma reforma no pensamento sociológico de natureza epistemológica, que substitua o princípio determinista e mecanicista por um princípio dialógico onde ordem/desordem e organização estejam em relação, ao mesmo tempo, complementar e antagônica e onde as transformações estão submetidas aos acasos, às instabilidades e bifurcações. (MORAES, 2004, 151).

Isto requer substituir o reducionismo, que tem o caráter simplificador, por uma visão mais holística da realidade, uma visão que implica ter as diversas dimensões, social, biológica, individual.
O princípio order from noise pode originar-se de fenômemos-aleatórios no nível dos indivíduos. Uma possibilidade interessante de aplicação desse caminho seria no campo da Psiquiatria. Nos Estados Unidos há diversos casos de indivíduos que conseguem fazer cálculos complicados e apresentar resultados precisos mais rapidamente do que uma calculadora eletrônica. Porém, quando indagados, eles não sabem dizer como tais cálculos complexos foram feitos. Outro grupo de indivíduos, também americanos, consegue dizer qual o dia da semana em que caiu, por assim dizer, uma data qualquer. Da mesma forma, eles não sabem explicar como conseguem prever o dia da semana corretamente. Finalmente, na Engenharia Mecânica, outro exemplo seria o já comentado Algoritmo do Resfriamento (Simulated annealing), poderia ser utilizado no processo de resfriamento de reatores nucleares, que se baseia na Teoria do Caos.


Quinta avenida: caminho da organização

Organização está na ordem daquilo que surge a partir de elementos diferentes. O todo não é organizado pela simples soma das partes, pois esta soma pode ser mais ou menos do que o sistema. Ao juntar as partes temos também as relações que se estabelecem nesta junção.

Ao mesmo tempo em que o sistema auto-organizador se destaca do meio ambiente ele se distingue dele, em nome de sua autonomia e de sua individualidade, liga-se tanto mais a ele pelo crescimento da abertura e da troca que acompanha qualquer processo de complexidade. (MORIN, 1990, p.40 apud MORAES, 2004, p.86).

Um sistema tende a voltar ao estado de equilíbrio após passar por perturbações. Moraes (2004) destaca que isto é a causalidade circular recursiva.
Para Maturana e Varela (1995) apud Moraes (2004), o sistema vivo é capaz de gerar autopoiese, ou seja, cria estados a partir de mudanças orgânicas que acontecem. Auto significa “si mesmo” e poiese quer dizer criação ou produção, ou seja, autopoiese é a criação de si mesmo.
Moraes (2004) lembra da importância de não confundir organização com estruturas, pois são unidades conceituais distintas.

É importante destacar que o conceito de organização não pode ser confundido com o conceito de estrutura como muitas vezes ocorre. Para Maturana & Varela (1997), a organização traduz o conjunto de relações ou interações entre os componentes do sistema e caracteriza a classe à qual ele pertence, ou seja, se homem, mulher, cachorro, gato, periquito, papagaio, etc. Estrutura seria, para esses autores, constituída pelos componentes físicos e as relações que esses elementos estabelecem e que nos processos de auto-organização mudam continuamente de estado, ao mesmo tempo em que conservam a organização em função da plasticidade do sistema e do meio. (MORAES, 2004, p. 58).

O sujeito e seu mundo emergem em processos de organização, co-organização, envolvendo o indivíduo de tal forma que a autonomia, a ambiguidade, a complexidade passam a fazer parte do objeto.
Um sistema é um conjunto de partes interligadas que funcionam harmoniosamente como um todo. Segundo Morin (2010), a organização constitui, regula o todo segundo uma intenção específica. Embora a ação de controle possa inibir ou reprimir características indesejáveis de um sistema, ainda assim tal sistema pode apresentar comportamentos imprevistos logicamente, uma vez que o inter-relacionamento de suas partes, em contextos diversos daquele intencionado, faz transparecer características - qualidades, segundo o autor - constatadas na ação, então, de forma empírica. 
A Teoria dos Sistemas de Controle Moderno se vale bastante deste caminho no projeto de aviões (na indústria Aeronáutica) para prever e/ou constatar comportamentos catastróficos de tais sistemas.  Certos sinais de retroação podem influenciar uma planta, no jargão dos Sistemas de Controle, no sentido de conduzi-la a um estado de instabilidade, passível de destruição, ou reforçar qualidades desejáveis no comportamento de tais sistemas, como por exemplo, quando um avião enfrenta tempestades com ventos muito fortes. O sistema do avião controlado por dois computadores de bordo, emite um sinal para um ou mais motores, independentemente, sobrepujarem a força avassaladora dos ventos em tempestades, estabilizando a aeronave em um período de tempo relativamente curto.
Nos estudos cognitivos da inteligência humana, este caminho, pode ser utilizado para educação de crianças, jovens e adultos, por exemplo, utilizando a Pedagogia dos Projetos, ou seja, a problematização de uma situação real de forma a incitar questionamentos, desenvolver ou aprimorar a autonomia, fazer aflorar qualidades e potencialidades, formar cidadãos conscientes, críticos, com potencial suficiente para atuar sobre a realidade na qual se inserem e, inclusive, modificá-la.
Segundo Morin (2010) as organizações biológicas e sociais, complexas, por natureza, apresentam comportamentos anárquicos com base em interações espontâneas (organizações acêntricas), apresentam muitos centros de controle (organizações policêntricas) e, juntamente com as duas classificações anteriores, apresentam de um centro de decisão (organizações cêntricas).
A estruturação do Estado com seu centro decisório, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário compõe-se de centros organizacionais menores em nível estadual, municipal, empresas públicas e da iniciativa privada e de interações espontâneas de grupos de indivíduos, como, por exemplo, o Movimento dos Cara-Pintadas que foi o início da deposição do ex-presidente Collor de Melo. As organizações não governamentais configuram outra instância de interações espontâneas, assim como os movimentos de bairros e a mobilização popular espontânea pela reinvidicação de seus direitos e rigor na aplicação de leis, como é o caso da Lei Maria da Penha, constituída, ou organizada visando à proteção da mulher face à violência masculina contra elas.


Sexta avenida: princípio hologramático

No holograma, o padrão fotográfico é colocado sob um laser que gera um padrão de ondas em que aparece um elemento tridimensional em que qualquer fragmento deste holograma reconstrói toda a imagem. No exemplo apresentado por Morin (2010) cada uma de nossas células possui a informação genética do ser como um todo. Assim, a parte está no todo, mas o todo aparece na parte, da mesma forma como acontece num holograma, que é uma representação de um todo.
A implicação do princípio hologramático poderá ser um caminho a ser utilizado na cura de doenças crônicas ou degenerativas. Uma aplicação palpável deste princípio é o uso de células-tronco na reabilitação de portadores de problemas cardíacos, com foco, na atualidade, na reabilitação de infartados, ou na melhoria e tratamento da qualidade de vida de doenças cardíacas degenerativas. A regeneração de tecidos, músculos e nervos, no campo da Medicina e da Reabilitação poderá beneficiar portadores de deficiências físicas, reabilitar acidentados, reconstituir ossos, nervos e músculos, entre outros benefícios. A informação do todo está contida nas células-tronco (a parte do todo), e as mesmas, quando colhidas no momento certo do seu ciclo vital, transmitem esta informação ao todo, se transformando ou, em jargão técnico, se diferenciando (se especializando) nas células de qualquer tecido do corpo. Curas de doenças como o Mal de Parkinson, Mal de Alzeihmer, reabilitação de paciente com acidente vascular cerebral são promessas que o princípio hologramático contido neste caminho da complexidade promete questionar e responder. Para compreender o todo, não basta compreender as qualidades das partes (reducionismo), ou negligenciá-las (holismo) mas considerar a inter-relações entre elas incluindo os sinais diretos e os sinais de retroação. Isto implica um refinamento constante do conhecimento, das indagações transitando do todo para as partes e das partes para o todo no estudo de um fenômeno. 
Outra aplicação interessante desse caminho seria o estudo do fenômeno do aquecimento global considerando o ciclo natural destes fenômenos em nível mundial (o todo) e as influências ou contribuições que cada país dá para a desestabilização das condições de vida no Planeta Terra, ora considerando primeiramente como elementos-chave, os países mais industrializados seguidos dos demais países do mundo, levando em consideração os efeitos que as economias de tais países têm sobre o equilíbrio climático mundial, ora considerando a alteração do ciclo natural de fenômenos naturais como decorrência desses efeitos. Este movimento circular, não-linear, em constante refinamento é uma das principais características do pensamento complexo.


Sétima avenida: crise de conceitos fechados e claros

Clareza e distinção de ideias não são mais um sinal de verdade. Somente o conhecimento manipulador é que consegue lidar bem com isto. Isolar um sistema de seu meio para se ter o conceito fechado e claro da sua significação não é mais suficiente. Aparece aqui também o elemento da autonomia: Embora pareça contraditório, a autonomia só é possível com a dependência de um elemento com o seu meio. Um sistema autônomo precisa se alimentar do meio para dar conta de ser autônomo e nesta troca é que ele consegue esta característica. É preciso ser dependente para ser autônomo. Moraes (2004, p. 120) afirma que “necessitamos de um olhar mais profundo sobre a realidade para que possamos retomar o diálogo esquecido com a natureza que já não pode continuar sendo aprisionada pelo golpe certeiro da ciência”.
Assim, esta crise mostra que não há mais verdades absolutas e que as certezas devem abrir espaço para a diversidade, para a contradição, para a complexidade.


Oitava avenida: a volta do observador na sua observação

Não dá para eliminar o observador nas ciências sociais. A observação interfere no objeto observado.  Além disto, o observador é também produtor do objeto observado. Moraes (2004) exemplifica com o caso de um tornado, pois ele é a cada momento, produto e reprodutor.
A autora cita ainda a experiência de Heinseberg na qual o físico demonstrou que não era possível definir a trajetória de uma partícula quântica com exatidão, pois a certeza em uma ou outra medida era sinônimo de incerteza em outras. Em cada medição, as partículas não observadas previamente haviam se transformado em ondas.  A observação, neste caso, influenciava o objeto observado e era, muitas vezes, produto desta observação.
O observador, no momento em que observa o objeto passa a se relacionar com ele, criando, assim, um sistema indissociável sujeito/objeto/processo de observação. Assim, a distinção entre sujeito e objeto já não é possível, é muito mais complexa do que se supunha até então. Isto indica que ambos, sujeito e objeto, só podem existir relacionalmente. (MORAES, 2004, p.40).


Nona avenida: o problema da contradição

A lógica clássica se baseava no princípio de que, quando havia contradição numa dada teoria ou verdade absoluta, a mesma dava uma espécie de marcha ré, pois isso indicava sinal de erro. Entretanto, o que se sabe é que a contradição está imbricada em todo sistema, visto que nenhum sistema consegue explicar-se a si mesmo.
O pensamento complexo implica em unir conceitos que aparentemente parecem divergentes e antagônicos. Envolve a capacidade de sempre construir e reconstruir algo novo. De pensar sempre em novas possibilidades a partir do que existe ou mesmo do que já está pré-determinado.
É como catalogar juntos conceitos que tradicionalmente se mantiveram em lados opostos.


O complexus do complexo


Dada que a realidade é multidimensional, pois contém elementos da dimensão individual, social e biológica, não dá para pensar nela sem estabelecer uma relação dialógica. Pelo pensamento dialógico é possível perceber que o homem, sendo um ser unidual, é biológico e cultural ao mesmo tempo. O princípio dialógico “nos permite reconhecer a dualidade no seio da unidade ao associar dois termos aparentemente antagônicos, mas complementares” (MORAES, 2004, p.122).
Um pensamento complexo é aquele que rompe com a excessiva simplificação e disjunção. É a relação dialógica presente no pensamento complexo que vai permitir uma co-criação de significados.
Já em relação ao princípio hologramático, podemos dizer que o todo está na parte assim como a parte está no todo. As partes possuem elementos que possam identificar o todo, mas a somas destas não é suficiente para caracterizar o todo, pois esta soma, além de conter as partes constitutivas, contém as relações que são estabelecidas entre elas.
Assim, no jeito de fazer ciência, isto implica, conforme aponta Morin (2010), uma relação dialógica entre imaginação e verificação, empirismo e realismo. O método de fazer ciência na complexidade é aquele que pede para pensar nos conceitos sem nunca tê-los como concluídos ou definitivos. É também o método que considera que a totalidade é verdade e também não-verdade.
Implica também em abertura epistemológica. “O próprio educador que pensa de maneira complexa nunca poderá ser autoritário, dogmático e prepotente em sua mediação pedagógica, já que reconhece a incerteza e mudança como aspectos integrantes de sua relação com o mundo”. (MORAES, 2003, p.205).
Nenhum conhecimento deve servir para sobrepujar ou controlar outro conhecimento. Nenhuma teoria deve rejeitar a teoria contrária, mas permitir-se dialogar com a outra.


Conhecendo o conhecer


De observadores a observados

A forma como compreendemos a realidade não é neutra: ela depende de uma série de fatores que podem envolver toda nossa corporeidade (nossas ações, nossas emoções, nossos pensamentos), o grupo social no qual vivemos, a linguagem que usamos para nos comunicar, nosso desenvolvimento cognitivo, entre outros.
Além disto, a nossa percepção da realidade não é a realidade em si, mas a “nossa percepção”. Sendo assim, pode ser diferente para cada um que percebe esta mesma realidade.
Outro aspecto importante é que a realidade não está no objeto percebido, mas na nossa relação com ele. É um produto do sujeito, do objeto e da relação entre ambos.

O mundo do objeto repousa no sujeito que o concebe e o sujeito não pode reinar sozinho no mundo de um objeto a ser possuído, manipulado e transformado pelo sujeito, que pretensamente presume ser o senhor e feitor do mundo e da vida. Ambos estão implicados e co-determinados, indicando que somos autoprodutores e co-produtores dos objetos do conhecimento, embora reconheçamos também a existência de múltiplos fatores intervenientes no processo, além dos diversos atores que possam também estar envolvidos. (MORAES, 2003, p.203).

Maturana e Varela (2010) criticam o fato de que na cultura ocidental a busca de se saber como se conhece está centrada na ação e não na reflexão. No entanto, é na reflexão que deveríamos buscar a compreensão da realidade, pois ela nos permite voltar sobre nós mesmos.
Todo indivíduo se torna, assim, produtor e produto da sociedade em que vive.


Todo ato de conhecer produz um mundo


Maturana e Varela (2010) afirmam que “não há descontinuidade entre o social, o humano e suas raízes biológicas. O fenômeno do conhecer é um todo integrado”. (MATURANA; VARELA, 2010, p.33).
Devemos reconhecer que tanto o ser humano quanto a natureza são capazes de criar algo novo, não apenas de copiar ou de repetir o que já existe.
O indivíduo, para conhecer, reconstrói sua realidade, através de criação coletiva, com o outro e com o mundo que o cerca.
Os autores destacam que conhecer é uma ação efetiva e que está no nosso domínio de existência, portanto, há uma imbricação com o social.
As explicações que damos para aquilo que conhecemos são baseadas no contexto social em que vivemos e, portanto, fruto de definições de um grupo de indivíduos com os quais convivemos e de crenças que compartilhamos, de experiência de vida que tivemos. Demo (2000) apud Moraes (2003, 215) diz que:

Nada acontece de dentro para fora. Biologicamente, é impossível a reprodução do conhecimento já que a aprendizagem é um fenômeno intrinsecamente interpretativo da realidade e, portanto, implica em construção, desconstrução e reconstrução do objeto a ser conhecido.

O conhecimento implica em criação de significados e, na educação escolar, implica em práticas pedagógicas que permitam a reflexão, a cooperação e a construção coletiva.


Questionamento final

Na fronteira do conhecimento (cutting edge), levando em conta o pensamento complexo, como fazer ciência sem assumir determinados dogmas?




REFERÊNCIAS

COLOM, Antoni J. A (des)construção do conhecimento pedagógico: novas perspectivas para a educação. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 8.ed. São Paulo: Palas Athena, 2010.
MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis: Vozes, 2003.
MORAES, Maria Cândida. Pensamento eco-sistêmico: educação, aprendizagem e cidadania no século XXI. Petrópolis: Vozes, 2004.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência.13.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
NICOLESCU, B. Ciência, sentido e evolução: a cosmologia de Jacob Boehme. São Paulo: Attar, 1995.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2010.
TRIVINHO, Eugênio. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007.

Nenhum comentário: